23 julho, 2005

, súbito vento norte porém derruba alguma memória porta que se tranca palimpsesto incendeia os pulmões para exercícios de secretas fábulas assim certo dilúvio da garganta desperta geometrias noturnas da papoula fímbria sem voz a legislar o estopim de cada estação esta salmodia por entre os dedos e este roçar entre as pernas do silêncio que se abrem fecham nas entranhas de um gesto único extinto mão alguma retém a explosão do subterfúgio de uma à outra pálpebra élitros que se esbatem num desassossego de adagas uma à outra pupila rapina crocitando mistérios do um recorre contra o alvoroço cartesiano dos movimentos daqueles automóveis entretanto qualquer abraço agora sob o poente de uma janela despencaria sobre os mesmos ombros o insidioso adiamento de roupas despidas sem nenhum machucado prévio cravado rente à primavera destes tornozelos dança esquiva a translação da memória borboleta risco púrpuro adormecendo sob volutas da orelha timbres do martelo em compasso de furiosas ancas que se fecham abrem em minério de dúvida fósforo e susto logo o branco aceso assalta a próxima página porta que se range luz insuportável atravessando o turvo canto do dervixe até uma outra afirmação num corredor vazio hieróglifo atento à despedida em torno simplesmente há coisas que não ante a liturgia do calcanhar rosa dos ventos,



vicente araújo

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21 julho, 2005

Eu sou uma gaivota.
Não, não é isso.
UMA XÍCARA PARA O MAR

O menino colocou a xícara com um restinho de chá no meio do quintal.
Foi dormir.
Choveu um pouco à noite.
Um dos pingos que acertaram a xícara, veio do mar.
A gata bebeu a água.
Trouxe o oceano para o quarto do menino.
Ele sonhou com as sereias.

19 julho, 2005

Arranquei a pele do caqui
Comi metade da polpa
O resto era meu rosto
Laranja e pegajoso
Passei a língua
Fiquei marrom e murcha
Uva passa

15 julho, 2005

Ainda que fique
um quê de saudade
no que não existe
há sempre uma voz
que leva o que pode
das coisas que ficam
No verso e na casa
a álgebra das pétalas
ao chão sabor da
dormência na língua



trecho do poema desvão.
integra o livro inédito no entanto de água, de leonardo gandolfi.

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14 julho, 2005

5-7-5
(em primeira pessoa)

quando eu morrer
quero nascer de novo
neve no japão


a.k.

08 julho, 2005

kazashi

Kata. O gesto já moldado, a nota fixa da partitura.
Há anos fazendo os katas, fiéis à tradição, os artesãos do corpo atingem o hana, a flor - e em cada um a flor é de um jeito.
O que muda é a flor.

Ela aprendia um kata. Chamava-se kazashi, intraduzível para o português. E repetia o gesto, todo dia, com a dúvida atrás do pensamento - mas o que é isso? O que pode ser isso?

"Tem coisa que não se pergunta, menina. Tem coisa que não se fala, que não se responde. O que a gente faz é tomar pra si".

Depois de muito tentar tomar pra si o gesto, no entanto, não resistiu. Foi atrás dele e lhe fez a pergunta - o que é um kazashi?
Ele a olhou pensativo, não achava tradução. Então a tomou pelo braço, "vem cá. Olha lá".
Lá o sol se punha. Olhou distante, os olhos se fecharam de tanta luz e ela amparou o olhar com a mão em concha.

"É isso, menina. Kazashi. Um amparo para o olhar, talvez".
E acrescentou, tímido, "e que é todo esse seu gesto comigo desde que eu cheguei aqui".

Ela, por dentro, sorriu.
Eu me inflamo e me consumo.
Tudo que eu toco vira luz,
Tudo que eu deixo, carvão e fumo.

N.

01 julho, 2005

rio de janeiro. sábado 2/7 - 1oh. sebo beringela. lançamento do livro distância, de virna teixeira e outros. publicação dos novos números das revistas inimigo rumor e ficções,

em evento conjunto das editoras cosac & naif e 7 letras




beringela. avenida rio branco, 185. lj 10. centro.


hálito

Pego a régua,
a caixa de compassos
e começo a traçar
e desenhar.

Passa um pássaro e acaba
o poema

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Depois de escrever o poema
Os limites da folha já não estão
Onde foi cortado o papel.






joan brossa

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joan brossa - burocracia, 1967