ventania
- Laura?
Um sotaque mineiro. Uma voz baixa, um som de timidez. De vontade de ter desligado antes de ter sido atendido. Mas que respondeu logo depois do alô ouvido; o primeiro Laura falado em anos de silêncio, com seu nome só no pensamento.
- Quem é?
Era ela. No espaço entre sua pergunta e a resposta que não conseguia formular, conseguiu imaginá-la ouvindo o telefone tocar (cinco ou seis longos toques) na sala de sua casa possivelmente branca, talvez vazia. Chegou mesmo a vê-la caminhar apressada até o aparelho, os cabelos negros presos em um coque com grampos, alguns fios lisos caindo sobre o rosto comprido; os olhos enormes.
- Quem é?
Os olhos enormes.
- É Felipe, Laura.
Talvez ela não se lembrasse. No silêncio que seguiu, só conseguia pensar que sua voz devia ter mudado. Ou, mais provável, poderia ter perdido seu sotaque, a pista que a faria recordar.
“A culpa é minha, Laura, que perdi meu jeito de falar”. Lembrou-se da noite em que ela lhe disse o quanto gostava do seu sotaque; a noite em que andaram horas sob um vento frio, de mãos dadas.
- Felipe...?
O vento gelado de julho, as ruas estreitas de pedra e as mãos geladas.
- De Ouro Preto.
Ainda demorou um pouco para que ela finalmente se lembrasse. Nesse intervalo, ele se arrependia da ligação. Fazia tanto tempo, afinal.
Naquele tempo, ao se despedirem na rodoviária, prometeram se ligar sempre. Mantiveram contato por algumas semanas, mas foram aos poucos parando de se falar. Mas ainda sentia-se próximo dela. Como quando abria o livro que comprou assim que chegou daquela viagem a Ouro Preto – um velho volume de contos de Dostoiévski, com cheiro e o amarelo dos anos nas folhas.
Noites Brancas; ela lhe disse, é meu conto favorito. Te empresto o livro.
Viu-se, por longos meses depois da despedida, imaginando-a na personagem daquele conto -uma menina russa de dezessete anos na memória daquela sua Laura de vinte e poucos. Soube, quando leu, que aquela história predizia uma despedida definitiva.
No entanto, passados cinco anos, telefonava para ela.
(...)
- Laura?
Um sotaque mineiro. Uma voz baixa, um som de timidez. De vontade de ter desligado antes de ter sido atendido. Mas que respondeu logo depois do alô ouvido; o primeiro Laura falado em anos de silêncio, com seu nome só no pensamento.
- Quem é?
Era ela. No espaço entre sua pergunta e a resposta que não conseguia formular, conseguiu imaginá-la ouvindo o telefone tocar (cinco ou seis longos toques) na sala de sua casa possivelmente branca, talvez vazia. Chegou mesmo a vê-la caminhar apressada até o aparelho, os cabelos negros presos em um coque com grampos, alguns fios lisos caindo sobre o rosto comprido; os olhos enormes.
- Quem é?
Os olhos enormes.
- É Felipe, Laura.
Talvez ela não se lembrasse. No silêncio que seguiu, só conseguia pensar que sua voz devia ter mudado. Ou, mais provável, poderia ter perdido seu sotaque, a pista que a faria recordar.
“A culpa é minha, Laura, que perdi meu jeito de falar”. Lembrou-se da noite em que ela lhe disse o quanto gostava do seu sotaque; a noite em que andaram horas sob um vento frio, de mãos dadas.
- Felipe...?
O vento gelado de julho, as ruas estreitas de pedra e as mãos geladas.
- De Ouro Preto.
Ainda demorou um pouco para que ela finalmente se lembrasse. Nesse intervalo, ele se arrependia da ligação. Fazia tanto tempo, afinal.
Naquele tempo, ao se despedirem na rodoviária, prometeram se ligar sempre. Mantiveram contato por algumas semanas, mas foram aos poucos parando de se falar. Mas ainda sentia-se próximo dela. Como quando abria o livro que comprou assim que chegou daquela viagem a Ouro Preto – um velho volume de contos de Dostoiévski, com cheiro e o amarelo dos anos nas folhas.
Noites Brancas; ela lhe disse, é meu conto favorito. Te empresto o livro.
Viu-se, por longos meses depois da despedida, imaginando-a na personagem daquele conto -uma menina russa de dezessete anos na memória daquela sua Laura de vinte e poucos. Soube, quando leu, que aquela história predizia uma despedida definitiva.
No entanto, passados cinco anos, telefonava para ela.
(...)
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