02 março, 2005

vem cá, luíza

Acordou mais cedo naquela manhã, mas ficou na cama sob o lençol, somente as pernas descobertas. Espiava de vez em quando o relógio, fingindo-se adormecido. Desejava conseguir, num cochilo furtivo, que as horas ficassem preguiçosas. No entanto, sob as pálpebras os olhos se inquietavam, de modo que não teve jeito - o dia começava a galopes.

Quando decidiu (ou conseguiu) sair da cama, o sol já estava quente. Tentou não pensar nela, mas enquanto vestia um casaco sobre a camiseta já não pensava em outra coisa.

“Tô tentando arrumar essas coisas pra viajar, mas não tá dando tempo...”

Não sentiu qualquer ponta de culpa por não querer que desse certo aquela viagem estúpida e repentina, mas olhou-a e riu como um amigo em sincera solidariedade - conseguia, sempre se surpreendia com isso, driblar-se das emoções e atuar. E somou ao sorriso falso, sentido-se cínico: “Vai dar certo, Luíza; vai dar tudo certo”.

E as coisas deram certo, como afinal tinha mesmo que ser.
E ela partira naquela manhã cheia de ócio, em que ele se largava ao silêncio na cama.