06 junho, 2005

postagens furtadas, respectivamente, dos blogs pele de lontra e pesa-nervos


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a sala de espera


Esse homem esqueceu o próprio nome.
O importante, diz ele, é ter um passado. Isto é
fundamental.
Ele bebe chá de uma garrafa térmica vermelha.
A sala de espera está vazia, sempre vazia.
As pessoas não têm tempo para esperar o trem, pensa ele.

Quando criança, certa vez ele escreveu uma redação.
Com uma frase.
Minha meta, escreveu, é o asilo de velhos.

O sem-nome sorri. Ele olha o grande relógio na parede
e pensa em todos os trens que já perdeu hoje.
Minha profissão, diz ele, é ficar aqui sentado neste banco.
Minha profissão é perder trens.
Minha profissão é esquecer o meu nome.

(Poema da romena Aglaja Veteranyi, publicado na revista Coyote n. 11. Tradução de Fabiana Macchi).


.


DESTINO


E PARA CÁ OU ALÉM
e desde aqui outra vez
e volta a ir de volta e sem alento
e do princípio ou término do precipício íntimo
até o extremo ou meio ou ressurrecto resto de este ou aquele ou do oposto
e roda que te rói até o encontro
e aqui tampouco está
e desde acima abaixo e desde abaixo acima ávido asqueado
por viver entre ossos
ou do perpétuo estéril desencontro
ao demais
de mais
ou ao recomeço espesso de cerdos contratempos e destempos
quando não a bordo senão de algum complexo herniado em pleno vôo
cálido ou gelado
e volta e volta
a tanta terça turca
para entregar-se inteiro ou de três quartos
farto já de metades
e de quartos
ao entrevero exausto dos leitos desfeitos
ou dar-se noite e dia sem descanso contra todos os nervos do mistério
do além
daqui
enquanto se resta quieto ante o fugaz aspecto sempiterno do
aparente ou do suposto
e volta e volta fundido até o pescoço
com todos os sentidos sem sentido
no sufocotédio
com unhas e com idéias e poros
e porque sim não mais


(Oliverio Girondo(1891-1967), poeta argentino, por Cláudio Daniel. O poema mostrado aqui, do autor argentino, faz parte de En la Masmédula, que integra as Obras Completas do poeta, edição da Losada.)


.



Reynaldo Jiménez por Claudio Daniel


De Improviso

Salta, de súbito, a garra de ar
e faz do leitor aliado do leopardo.
Nas facetas diamantinas onde canta
outra luz, que não é memória, mas vê

que o olhar reconhece, apenas treme:
remontando às origens ressurge alerta
o músico instrumento do destino,
chamado tempo, no olhar do poeta.

Aqui abrem-se mais, os espaços. Acontece
o que ninguém poderia recordar ou ter
tramado. O bosque de símbolos, sim,

e juntos a pira tântrica e o ascético
deserto que dá para o rio. Também o pátio
da mandala, o templo, a rocha, o eco.



Claudio Daniel traduziu muitos poetas latino-americanos. Grande parte deles está na antologia “Jardim de camaleões”, editada recentemente pela Iluminuras.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

A hora do silêncio se corrompe apenas quando surgem bons motivos.
É a minha fração de intelecto quem me pede.
E cá estou.
Corrompo o meu silêncio com palavras.
Eu quero um pouco deste mistério.
Para calar.
Para codinomes múltiplos.
Para padecer por dias dentro de um livro sem capa e com folhas rotas.
Papel roto. Mancha de café.
Imersos em minha sede.
Ou estaria eu, imerso na sede deles?

Amor,
A.A

09 junho, 2005 00:05  

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