14 setembro, 2005



"Não houve nenhuma resposta, nenhuma revelação. Não sei que pergunta era."

gostaria de transcrever tudo, mas o tempo e o espaço não me deixarão. retorno a esta mesma entrevista meses depois e ela, assim como os poemas do helder, continuam me deixando sem (ou seria com?) chão, comichão:
trechos da entrevista com herberto helder publicada na revista inimigo rumor 11


"(...)Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo. Como na infância, quando se fica à porta de um quarto obscuro e vazio. Ficamos durante um minuto, uma brisa levanta-se nos confins da obscuridade: um redemoinho no ar, uma luz, uma iluminação talvez? Estamos prontos para o assentimento. Outro minuto, cinco, dez, ali, diante do anúncio suspenso e ameaçador: não acontece nada. Poder-se-ia esperar um dia inteiro, dias seguidos. Às vezes pára-se no meio de um jardim ou de um parque ou de uma avenida deserta. São variantes do quarto. Acontece o mesmo, quero dizer: não acontece nada. A suspeita apenas de que nos aguarda uma espécie de graça reticente, um dom reticente. Ou contempla-se um rosto, alguém que se ama, um ser imediato; ou então um rosto desconhecido, defendido. Pensamos: é uma vida nova, uma força nova e profunda, é uma paisagem misteriosa, profunda e nova que se relaciona intimamente connosco: vai revelar-se. E a outra pessoa olha para nós perdida nas perspectivas inquietas da nossa contemplação. E recomeça-se. O mesmo, sempre. Nada. (...)"

"(...) ...há uma expectativa ardente, uma ardente pergunta sem resposta, uma perplexidade ardente que me concedem um centro, um ponto de vista sobre a debandada das coisas, coisas centrífugas para diante, nos dias, no caos dos dias, centrífugas para trás, nos instantes mais densos da memória(...)E então eu sei: respiro nessa pergunta, respiro na escrita dessa pergunta. Qualquer resposta seria um erro. (...)"

"(...) No entanto, repare, ou actuamos nas zonas do quotidiano de onde não foi afugentado o maravilhoso ou existem outras zonas, um quotidiano da maravilha, e então o poema é um objecto carregado de poderes magníficos, terríficos; posto no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa(...) A acção é a nossa pergunta à realidade; e a resposta, encontramo-la aí: na repentina desordem luminosa em volta, na ordem da acção respondida por uma espécie de motim, um deslocamento de tudo: o mundo torna-se um facto novo no poema, por virtude do poema - uma realidade nova.(...) porque o mundo, pela acção dessa forma cheia de poderes, se encontra nele inscrito: é registro e resultado de poderes. E temos essa forma: a forma que vemos, ei-la: respira, pulsa, move-se - é o mundo transformado em poder de palavra, em palavra objectiva inventada, em irrealidade objectiva(...) um objecto pode ser útil ou decorativo, e a poesia não o pode ser nunca. É irreal, e vive. (...)"


(daqui a alguns dias, mais trechos serão publicados aqui)

3 Comments:

Blogger virna said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

17 setembro, 2005 23:42  
Blogger virna said...

excelente idéia. divulgar helberto helder, um dos maiores poetas portugueses.

18 setembro, 2005 00:04  
Blogger Pablo Araujo said...

é isso mesmo, virna.
ele e muitos outros, como luiza neto jorge são conhecidos em círculos muito restritos. é herberto ou helberto?

valeu pela visita ao beco,

beijo

19 setembro, 2005 12:07  

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