"Entrementes a música continuava- a Suíte em si menor de Bach, para flautas e cordas. Era o jovem Tolley que dirigia orquestra, com a sua graça inimitável e habitual, curvando o busto em ondulações de cisne e traçando no ar, com os braços, arabescos brilhantes, como se dançasse ao som da música. Uma dúzia de violinistas e violoncelistas anônimos arranhavam os instrumentos, a seu comando. E o grande Pongileoni beijava viscosamente a sua flauta. Soprava na embocadura, e uma coluna cilíndrica de ar se punha a vibrar; as meditações de Bach enchiam o quadrilátero romano. No largo da abertura, Johann Sebastian, com o auxílio dos beiços de Pongileoni e da coluna de ar, tinha feito uma declaração:
Há grandes coisas no mundo, nobres coisas; há homens que nasceram para ser reis; há conquistadores verdadeiros, senhores autênticos da terra. Mas de uma terra, ah! tão complexa e múltipla...- continuara ele a refletir no allegro em fuga. Parece que achamos a verdade; clara, precisa, iniludível, ela nos é anunciada pelos violinos; nós a temos e retemos triunfalmente. Mas eis que ela nos escapa, para se apresentar outra vez sob um aspecto novo, entre os violoncelos, e ainda outra vez sob a forma de coluna de ar vibrante de Pongileoni. As diversas partes vivem suas vidas separadas; elas se tocam; seus caminhos se cruzam, combinam- se um instante para criar o que parece uma harmonia final e perfeita, mas somente para tornarem a separar-se mais uma vez. Cada uma é sempre só, separada e individual. "Eu sou eu", afirma o violino; "o mundo gira em torno de mim."- Em torno de mim", reclama o violoncelo. "Em torno de mim", insiste a flauta. E todos igualmente têm razão e igualmente se enganam; e nenhum deles quer escutar os outros.
in:"Contraponto", de Aldous Huxley.
Há grandes coisas no mundo, nobres coisas; há homens que nasceram para ser reis; há conquistadores verdadeiros, senhores autênticos da terra. Mas de uma terra, ah! tão complexa e múltipla...- continuara ele a refletir no allegro em fuga. Parece que achamos a verdade; clara, precisa, iniludível, ela nos é anunciada pelos violinos; nós a temos e retemos triunfalmente. Mas eis que ela nos escapa, para se apresentar outra vez sob um aspecto novo, entre os violoncelos, e ainda outra vez sob a forma de coluna de ar vibrante de Pongileoni. As diversas partes vivem suas vidas separadas; elas se tocam; seus caminhos se cruzam, combinam- se um instante para criar o que parece uma harmonia final e perfeita, mas somente para tornarem a separar-se mais uma vez. Cada uma é sempre só, separada e individual. "Eu sou eu", afirma o violino; "o mundo gira em torno de mim."- Em torno de mim", reclama o violoncelo. "Em torno de mim", insiste a flauta. E todos igualmente têm razão e igualmente se enganam; e nenhum deles quer escutar os outros.
in:"Contraponto", de Aldous Huxley.