21 agosto, 2006

"Entrementes a música continuava- a Suíte em si menor de Bach, para flautas e cordas. Era o jovem Tolley que dirigia orquestra, com a sua graça inimitável e habitual, curvando o busto em ondulações de cisne e traçando no ar, com os braços, arabescos brilhantes, como se dançasse ao som da música. Uma dúzia de violinistas e violoncelistas anônimos arranhavam os instrumentos, a seu comando. E o grande Pongileoni beijava viscosamente a sua flauta. Soprava na embocadura, e uma coluna cilíndrica de ar se punha a vibrar; as meditações de Bach enchiam o quadrilátero romano. No largo da abertura, Johann Sebastian, com o auxílio dos beiços de Pongileoni e da coluna de ar, tinha feito uma declaração:
Há grandes coisas no mundo, nobres coisas; há homens que nasceram para ser reis; há conquistadores verdadeiros, senhores autênticos da terra. Mas de uma terra, ah! tão complexa e múltipla...- continuara ele a refletir no allegro em fuga. Parece que achamos a verdade; clara, precisa, iniludível, ela nos é anunciada pelos violinos; nós a temos e retemos triunfalmente. Mas eis que ela nos escapa, para se apresentar outra vez sob um aspecto novo, entre os violoncelos, e ainda outra vez sob a forma de coluna de ar vibrante de Pongileoni. As diversas partes vivem suas vidas separadas; elas se tocam; seus caminhos se cruzam, combinam- se um instante para criar o que parece uma harmonia final e perfeita, mas somente para tornarem a separar-se mais uma vez. Cada uma é sempre só, separada e individual. "Eu sou eu", afirma o violino; "o mundo gira em torno de mim."- Em torno de mim", reclama o violoncelo. "Em torno de mim", insiste a flauta. E todos igualmente têm razão e igualmente se enganam; e nenhum deles quer escutar os outros.

in:"Contraponto", de Aldous Huxley.

05 agosto, 2006

Goethe.: TRÊS EPIGRAMAS
veneza 1790




29
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Tentei muitas coisas: desenhei, gravei em cobre,
....Pintei a óleo, moldei também várias coisas em barro,
Mas sem constância, e não aprendi nem fiz nada;
....Um só talento levei até quase à mestria:
Escrever alemão! E assim estrago, poeta infeliz,
....No pior material agora a vida e a arte.
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35.
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A vida de um homem — que é? Porém milhares podem
....Falar desse homem, daquilo que fez e como o fez.
Menos ainda é um poema; contudo mil podem gozá-lo,
....Milhares censurá-lo. Amigo, continua pois a viver e
................................................a fazer teus poemas.
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65
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É pois tão grande o mistério do que seja Deus e o Homem
...................................................................e o Mundo?
....Não! Mas ninguém gosta de ouvi-lo: por isso fica em
.....................................................................segredo.
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O CORAÇÃO DO HOMEM , por D.H. Lawrence




Há outro universo — o coração do homem;
dele nada sabemos, nada ousamos explorar.

Distância estanque, cinza e estranha separa
nossa pálida mente do continente pulsante
do coração do homem.

Antecessores somente às praias aportaram,
nenhum homem sabe, mulher alguma conhece
o mistério do interior,
onde, mais escuros que o Congo ou o Amazonas,
fluem os rios, maré-cheia do coração: desejo e desolação.


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