Marina
Os dias andavam particularmente vazios; ela procurava coisas para fazer. Dedicava-se com suspeito afinco as atividades mais banais do dia, como preparar o almoço, arrumar a mesa, escolher um copo de haste comprida para despejar a bebida. Poderia ficar horas arrumando e desarrumando tudo aquilo, cuidadosamente. Não se permitia nenhum tempo a mesa apos a refeição acabada – levantava-se rápida para levar a louca suja da sala rumo a cozinha.
E assim suas semanas eram preenchidas, ainda que alguns pensamentos teimassem em interferir em sua rotina organizada, lembrando-a dos perigos daquele estranho ócio. Mas sabia ludibriá-los e logo descobria uma estante de livros em seu escritório para reorganizar.
Em um desses dias, estava no meio de mais uma de suas refeições silenciosas - um desjejum com café preto, torradas, frutas cuidadosamente cortadas – quando percebeu que o carteiro enfiava a correspondência por debaixo da porta. Ouviu-as deslizando pelo piso de madeira; contas, pensou.
No breve instante que sucedeu o deslizar da correspondência pelo chão da casa, ela já estava tomada por infinitos pensamentos. E com a mão na asa da xícara de café, que restava imóvel no ar (no caminho entre a mesa e sua boca), percebeu; não sentia fome alguma.
Levantou-se contrariada, pensando em como aquele episodio havia estragado seu café da manha, quando notou, nas cartas espalhadas pelo chão, um exemplar escrito a mão – letras magras e corridas pendendo para a direita, as palavras desenhadas em azul. Não pode reconhecer a caligrafia de imediato, mas, ao rasgar o envelope para subtrair-lhe o conteúdo, já sabia – aquela era uma carta de L.
Luís
Cara Marina,
Ainda não descobri como escrever essa carta. Andei tateando a melhor forma, mas não a encontro. Escrevo-lhe, então, nesse meu jeito, com essas palavras...
Quis muito procura-la, mas desisti. Imagino, por tudo o que aconteceu, que você não queira me ver. Portanto, acho que essa é a melhor maneira de lhe falar.
Estou de mudança. É temporário; ficarei uns tempos com Beatriz em Florianópolis ate resolver o que fazer. Ela está reformando sua casa e parece estar bastante contente com a vida na nova cidade. Poderei conhecer seu marido, afinal. E estou contente por isso; estou contente, Marina, depois de tudo.
Beatriz não sabe dos episódios ocorridos em Niterói e não contarei a ela. Peço-lhe, por favor, faça o mesmo.
Quero que saiba (esse é o principal propósito dessa carta) que não fui eu, Marina. Não fiz aquilo. Não poderia nunca tê-lo feito, nunca. Espero, sinceramente, que acredite em mim.
No mais, desejo-lhe sorte.
Adeus,
L.
Os dias andavam particularmente vazios; ela procurava coisas para fazer. Dedicava-se com suspeito afinco as atividades mais banais do dia, como preparar o almoço, arrumar a mesa, escolher um copo de haste comprida para despejar a bebida. Poderia ficar horas arrumando e desarrumando tudo aquilo, cuidadosamente. Não se permitia nenhum tempo a mesa apos a refeição acabada – levantava-se rápida para levar a louca suja da sala rumo a cozinha.
E assim suas semanas eram preenchidas, ainda que alguns pensamentos teimassem em interferir em sua rotina organizada, lembrando-a dos perigos daquele estranho ócio. Mas sabia ludibriá-los e logo descobria uma estante de livros em seu escritório para reorganizar.
Em um desses dias, estava no meio de mais uma de suas refeições silenciosas - um desjejum com café preto, torradas, frutas cuidadosamente cortadas – quando percebeu que o carteiro enfiava a correspondência por debaixo da porta. Ouviu-as deslizando pelo piso de madeira; contas, pensou.
No breve instante que sucedeu o deslizar da correspondência pelo chão da casa, ela já estava tomada por infinitos pensamentos. E com a mão na asa da xícara de café, que restava imóvel no ar (no caminho entre a mesa e sua boca), percebeu; não sentia fome alguma.
Levantou-se contrariada, pensando em como aquele episodio havia estragado seu café da manha, quando notou, nas cartas espalhadas pelo chão, um exemplar escrito a mão – letras magras e corridas pendendo para a direita, as palavras desenhadas em azul. Não pode reconhecer a caligrafia de imediato, mas, ao rasgar o envelope para subtrair-lhe o conteúdo, já sabia – aquela era uma carta de L.
Luís
Cara Marina,
Ainda não descobri como escrever essa carta. Andei tateando a melhor forma, mas não a encontro. Escrevo-lhe, então, nesse meu jeito, com essas palavras...
Quis muito procura-la, mas desisti. Imagino, por tudo o que aconteceu, que você não queira me ver. Portanto, acho que essa é a melhor maneira de lhe falar.
Estou de mudança. É temporário; ficarei uns tempos com Beatriz em Florianópolis ate resolver o que fazer. Ela está reformando sua casa e parece estar bastante contente com a vida na nova cidade. Poderei conhecer seu marido, afinal. E estou contente por isso; estou contente, Marina, depois de tudo.
Beatriz não sabe dos episódios ocorridos em Niterói e não contarei a ela. Peço-lhe, por favor, faça o mesmo.
Quero que saiba (esse é o principal propósito dessa carta) que não fui eu, Marina. Não fiz aquilo. Não poderia nunca tê-lo feito, nunca. Espero, sinceramente, que acredite em mim.
No mais, desejo-lhe sorte.
Adeus,
L.