31 janeiro, 2006


por Carlos Drummond de Andrade


"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos."

27 janeiro, 2006

















(Man Ray. tears, 1932)






de Marina Tsvetáieva


Negra como pupila, como pupila sugando
Luz - amo-te, noite aguçada.

Dá-me voz para cantar-te, ó promatre
Das canções, em cuja palma está a rida dos quatro ventos.

Chamando-te, glorificando-te, sou apenas
Uma concha, onde ainda não calou o oceano.

Noite! Eu já gastei meus olhos nas pupilas do homem!
Incinera-me negro-sol noite!




(tradução de Aurora F. Bernardini. em: Inimigo Rumor 10, maio 2001)

17 janeiro, 2006

"... A cumplicidade feminina é a pedra de toque da montagem. As figuras de Hysteria, pinçadas de documentos verídicos, escritos há um século e meio, trazem à tona frustrações milenares, aspirações tão antigas quanto irrealizadas. Perceber a atualidade do que dizem essas atrizes talvez seja o susto maior do público ao contatar o mundo docemente amargo da montagem ..."

(Alberto Guzik, O Estado de São Paulo - Abril/2002)

Hysteria no Rio de Janeiro

Temporada 20 de janeiro - 19 de fevereiro

Sábados e domingos 17h

Rua Cosme Velho, 599

tel contato (RIO) 82623219

http://www.grupoxixdeteatro.ato.br/
Rapidinhas de Edilberto Coutinho



APRENDIZADO

Deu um passo largo no seu aprendizado de escritor quando compreendeu que era aconselhável procurar compreender as paixões alheias, sim; mas, sucumbir a elas, não.


CREDO DO MEDALHÃO

Sabe (como sabe!), é o efeito mundano do livro que mais importa, e não a conquista poética.


ELOGIO DO DICIONÁRIO

Súbita certeza de que a obra-prima literária nada mais é que o dicionário bem reorientado.


VALE O OCULTO

Governo e estilo literário, quanto mais aparecem, pior parecem.




(achado em Práticas Proibidas: uma seleta minimalista de ficção ou não. Ed. Corpo da Letra, 1989)

15 janeiro, 2006
























(Kazimir Malevitch. Quadro branco sobre fundo branco. 1918)




Ele põe um pedaço de papel em branco sobre a mesa à sua frente e escreve estas palavras com a sua caneta. Foi. Nunca será de novo.

Mais tarde naquele mesmo dia, ele volta para seu quarto. Encontra uma folha de papel novinha e a põe sobre à sua frente. Escreve até encher toda a página com palavras. Depois, quando lê o que escreveu, tem dificuldade para decifrar as palavras. Aquelas que consegue entender não parecem dizer o que ele achava que estava dizendo. Em seguida sai para jantar.

Naquela noite, diz a si mesmo que amanhã é outro dia. Novas palavras começam a gritar em sua cabeça, mas ele não as escreve. Resolve referir-se a si mesmo como A. Anda para lá e para cá, entre a mesa e a janela. Liga o rádio e depois desliga. Fuma um cigarro.
Em seguida escreve. Foi. Nunca será de novo.


em A Invenção da Solidão, Paul Auster, Companhia das Letras.

07 janeiro, 2006

ÂNGULO 3

Ela irá em repentino ir. Vôo e chão. Dirigirá a toda velocidade não sabendo aonde ir. Indo. A mão desconectada no volante. O pé desconexo no acelerador. Bifurcação? Dos dois lados nenhum. Urgência em encontrar um caminho. Subitaneidades adormecidas explodirão em móveis cores caladas. Ela vai pensar em telefonar para o amigo arquiteto. Mas se lembrando. Havia prometido à filha nunca mais se encontrar com ele. Ela seguirá o caminho de grutas sombrias e imersões sem reflexos. Nunca mais? Nunca menos. Nunca nada. Nunca nunca. Vento ventania vendaval. Urgência velozmente fluxo mover ir. Onde aonde ir? De onde? Desde. Lado nenhuns. A viagem prescrita entre as negações de bocas inteiras em metades de palavras. A meia- lua se pondo no horizonte sem horizontes. Ela ficará em escuros mapas. Velozmente refluxos. Ela nunca verá onde começa o arco-íris. Recuará além do violeta e avançará aquém do vermelho. Vermelhos. Desvermelhos. Ultravermelhos. Sub-roxos. Ela irá onde de onde onda flecha minuto. Onde aonde? Nem reverá os dois lados de sua vida. Pensará na ultra- passagem não pensando. Desbifurcação desencruzilhada irremediável nenhum foz. Lado nenhuns. O cerco do ir. O círculo móvel fechando moles direções. Desaguadouro de seus rios termináveis.

As doze cores do vermelho, Helena Parente Cunha, editora UFRJ