31 maio, 2005

CANTO DO HOMEM ENTRE PAREDES













As paredes suportam meus pulsos de carne.
As paredes se encaram.
As paredes indagam seus rostos à cal
E me riem perdido além do labirinto.
A luz sabre a cabeça, as olhos entre as dedos,
O caminho dos pés no caminho nos pés:
Entre a jarro de flores e a mesa perdido.
E as paredes são uivos mais fortes que os meus.
Fui eu quem as fechou? Se fecharam sozinhas?
Sabem que eu sei abrí-las. Ignoro que sei.
Ao me sonhar caminho vi que elas e não eu,
Que tenho pés, caminham.
As estantes e as quadros se erguem já como a hera
Mais espessos que a hera.
Algo que a luz chamou poeira e eu ouro, e teias
Chamou a eu chamei rios
Acorda a compromisso entre as portas e a vida.
As paredes não param. Caminham sabre mim.
Sonham que eu hei de abrí-las. Ignoro que sei.








augusto de campos

.
, muitos borges e nenhum,





"Porque quando um texto está pronto já não é de mais ninguém, mas da tradição ou da linguagem."

"À poesia, e isto os antigos já sabiam, ora, todo mundo sabia, lhe convém mais a derrota do que a vitória."

... "esta iminência de uma revelação, que não se produz, é talvez o feito estético."

(a poesia) ... "sem leis prefixadas, opera de modo vacilante e ousado como se caminhasse na escuridão. Xadrez misterioso a poesia, cujo tabuleiro e cujas peças mudam como num sonho e sobre o qual me inclinarei depois de morto."

"O tempo é um rio que arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo desgraçadamente é real; eu desgraçadamente sou Borges."

"O porvir é inevitável, preciso, mas pode não acontecer. Deus ataca nos intervalos."

"O mestre escolhe o discípulo, mas o livro não escolhe seus leitores, que podem ser malvados ou estúpidos..." Citando Clemente de Alexandria: "escrever num livro todas as coisas é deixar uma espada nas mãos de um menino."

"O mundo, segundo Mallarmé, existe para um livro; segundo Bloy, somos versículos ou palavras ou letras de um mundo mágico, e esse livro incessante é a única coisa que existe no mundo: é melhor dizendo, o próprio mundo."

... "só perdemos aquilo que realmente nunca tivemos..."

Citando Bloy: "Não existe na Terra um ser humano capaz de declarar quem é. Ninguém sabe o que veio fazer neste mundo, a que correspondem seus atos, seus sentimentos, suas idéias, nem qual é o seu nome verdadeiro, seu imperecível nome no registro da LUZ."

27 maio, 2005

ogam toca pra ogum

eu estou vestida
com as roupas
e as armas de jorge

26 maio, 2005

(...)

- Você não sabe quantas eu tomo de manhã pra me livrar das minhas obsessões.

Ela riu. Pensou nas suas doses, sempre muitas.

- Então. Tô indo de vez.

Silêncio.

- Vem comigo.

Ela riu novamente; "até parece".

- É só aceitar meu pedido.

Ela o olhou, muito séria.

- ´Cê sabe que eu não tô brincando.

(...)

24 maio, 2005

Tome sete

Pediu ao curandeiro um tratamento para seu mal.
O homem entrou em seu laboratório.
Voltou com um vidro âmbar cheio de comprimidos.
A pintora perguntou a composição do remédio.
-a frequência das luzes do arco-íris, ele respondeu.
Desde então,
a mulher só pinta comprimidos.

19 maio, 2005

barcos de ar, madeira e papel


Estava sentada na roda, ouvindo Marcelo falar sobre o pathos. Tentava lembrar dos movimentos que havia feito - um leque, um oratório, um manto e a serpente; onde estava a origem disso? Por que não havia descoberto essa faísca antes? Onde é que ela estivera?

Não parava de pensar - sentada em si, pernas de índio - quando ele a despertou do quase transe:


"... e você, menina, tem coisa aí dentro. Tem gestos interessantes, faz origamis.
Mas eu quero ver você construir caravelas gigantes, ó. Gigantes.
Seus barcos são pequeninos, muitas dobras; são movimentos refinados, diminutos. Agora eu quero ver você botar isso lá!"

(e fez um gesto de expansão, braços pra cima, mãos espalmadas)

"Quero ver você tirar essa franja do rosto".


Todos riram, ela também. Os gestos diminutos! Origamis!
Torceu a franja com a ponta dos dedos.

11 maio, 2005

Jardins du Luxembourg, Paris


en plein air
Originally uploaded by A.K..
"Filho, penso em casar-me novamente"

07 maio, 2005

2+2=5

Oh go and tell the king
that the sky is falling in
when it's not

06 maio, 2005

memorable quote

Frankly, my dear, I don't give a damn.
roteiro para curta de três minutos
sem título


I. Int - Café/Dia

LUÍZA, uma mulher de aproximadamente 35 anos, está sentada em uma mesa, sozinha.
Na sua frente, uma xícara de café pela metade, já frio.
JOÃO, um homem de aproximadamente 30 anos, entra no café, apressado.



JOÃO
Me atrasei, desculpa. Tive que passar na mamãe.
LUÍZA
Tudo bem.


João faz menção de começar uma frase nova, mas Luíza o interrompe antes da primeira palavra não dita.



LUÍZA
Quer um café?


João a olha um pouco confuso com a interrupção.



JOÃO
Não.


Luíza olha para um garçom que passa próximo à mesa deles.



LUÍZA
Garçom, traz dois cafés, por favor.
JOÃO
Luíza,
LUÍZA (interrompendo João)
Que tempo, né.

Ela desvia o olhar para a janela.
João a olha demoradamente.



JOÃO
Fala Luíza.


Luíza o olha.



JOÃO
O resultado.


Luíza sorri.



LUÍZA
Maligno.


O garçom traz os cafés. Os dois ficam em silêncio.



JOÃO
Luíza...
LUÍZA (baixinho)
Eu sei.
JOÃO
Falou com alguém?
LUÍZA
Não.


Luíza coloca a colher dentro do café e fica mexendo a bebida, sem ter colocado açúcar nela.
João olha seus movimentos, quieto, sem conseguir beber o seu.
Ela larga a colher no pires.



LUÍZA
Quero dar uma volta.


João faz "sim" com a cabeça; os olhos pousados sobre a mesa.



LUÍZA
Vem comigo?

Ele a olha.
Os dois sorriem.
João tira duas notas do bolso e as larga sobre a mesa.

Eles se levantam e saem do café.

05 maio, 2005

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Zunái já está no ar


ZUNÁI, Revista de Poesia e Debates,

publica em sua sexta edição uma entrevista com o poeta peruano Reynaldo Jiménez, um dos expoentes do neobarroco na América Latina, e uma pequena mostra de sua poesia, com traduções de Claudio Daniel. A revista, que incentiva o diálogo entre os autores de língua espanhola e portuguesa, apresenta também poemas do uruguaio Victor Sosa, do chileno Raul Zurita, do mexicano Antonio Ochoa e de brasileiros como Manoel de Barros, Torquato Neto e Antônio Moura. No link de matérias especiais, Zunái traz um instigante ensaio de Rodrigo Garcia Lopes sobre a crítica literária, e na página dedicada aos debates, reúne seis poetas para a discussão do conceito de "angústia da influência" de Harold Bloom. No campo da tradução criativa, a revista faz uma pequena viagem pelo espaço-tempo, trazendo poemas de Matsuo Bashô, Giuseppe Ungaretti, Archibald Macleish, Robert Creeley, David Huerta e Marianne Moore. Em Galeria, o destaque é para o artista plástico cubano Juan Gualberto Ibáñez.
ZUNÁI, Revista de Poesia e Debates

http://www.revistazunai.com.br

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“Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar.”

(Rosa, 1956, p.16)

04 maio, 2005

ah quem me dera uma ventania que me tragasse
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estudo para escultura


PERFIL

o olhar duro,

atrás cílios,



e a pedra

que se racha

ao toque,



ACIDENTE

a curva

a sombra
da nuca

que se demora de costas


ALI

a distância certeira

e definitiva

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01 maio, 2005

"...então aquele senhor compreendeu, de uma vez por todas, que o novo, em arte, foi e continua sendo o crime perfeito."

trecho final da carta-conto-ensaio, publicada na revista trambelho, n.3, 1974 , escrita por jorge rapace