18 junho, 2006

CONTRA O VENTO



Quando estávamos à beira do penhasco
um vento imenso pôs-se a soprar
e todos sustaram o seu desalinho,
Mas eu empunhei um martelo,
guardado ali de épocas passadas
e pus-me a golpear a pedra.

E respondeu o vento — Amém Selá!





(Amir Guilboa em: Quatro mil anos de poesia. Coleção judaica. Ed. perspectiva, 1969. Tradução de J. Guinsburg e Zulmira Ribeiro Tavares)

13 junho, 2006
















(Jusepe de Ribera. o sonho de jacó. 1639)




Labirinto, por Jorge Luis Borges


Não haverá nunca uma porta. Estás dentro
E o alcácer abarca o universo
E não tem nem anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor de teu caminho
Que teimosamente se bifurca em outro,
Que obstinadamente se bifurca em outro,
Tenha fim. É de ferro teu destino
Como teu juiz. Não aguardes a investida
Do touro que é um homem e cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe. Nada esperes. Nem sequer
No negro crepúsculo a fera.


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09 junho, 2006

I.

Precisamente ali
no intervalo entre a vontade e o desejo
ali na parede, o interruptor
da lâmpada que lança sobre tudo
a cal abrupta da realidade,

capaz de avassalar a escuridão,
arredondando os ângulos agudos
como uma chave líquida que abrisse
todas as portas. Porém você
não precisa de portas.


(Primeiro dos "Dez Exercícios para os Cinco Dedos", de Paulo Henriques Britto. Em: Trovar Claro - Poemas, Companhia das Letras, 1997).
Quase de verdade
dramaturgia: Caetano Gortardo
direção: Cainan Baladez
com Fernanda Chicolet, Mariana Martinez e Thais Rangel

Em cartaz na Casa de Dona Yayá
Rua Major Diogo, 353
Bela Vista, São Paulo - ao lado do TBC

Sáb 21h - dom 19h
até 30 de julho

Reservas: 11-9752-5280
"O sorriso dela era triste. O que ela queria , na verdade, era nunca ter recebido nome. A casa tem nome? E que nome tem a pedra? Admitia, contrafeita, que o padrasto tinha sua razão: deram- nos nome como um modo de nos dizerem que não temos eternidade. E sentiu saudades do seu oculto lugar, além do rio. Ao menos lá, em Antigamente, ela se esquecia de ter nome, ter rosto, ter idade."

em: O outro pé da sereia, Mia Couto.

04 junho, 2006

Carlos Miguel Fernandes, Praia de Barceloneta,
março de 2001


até onde podemos saber

" Em cosmologia se define um horizonte: visto que o Universo tem uma idade finita, definida como o tempo transcorrido entre sua origem e hoje, em torno de 14 bilhões de anos, a distância ao noso horizonte cósmico é de 14 bilhões de anos- luz, ou o que a luz percorre em 14 bilhões de anos. Como nada pode viajar mais rápido do que a luz, o horizonte cósmico determina uma fronteira absoluta do conhecimento: mesmo que algo exista além dele, não podemos receber informação a respeito...

Hoje, os astrônomos detectam radiação vinda de objetos a 13 bilhões de anos-luz de distância, menos de um bilhão de anos- luz da origem: o cosmo em sua adolescência, as primeiras galáxias nascendo, juntamente com seus milhões de estrelas. Será então possível, com telescópios cada vez mais poderosos, observar a própria origem do universo, a origem do tempo?

Infelizmente não. Um pouco antes do horizonte cósmico de 14 bilhões de anos- luz encontramos outro horizonte, a fronteira do que é observável diretamente. Para vermos um objeto, a luz tem que viajar livremente entre ele e nossos olhos (ou telescópios, dá no mesmo). Considerando que o Universo está em expansão desde sua origem, voltar à infância cósmica significa reverter a um passado onde galáxias que hoje estão separadas por distâncias de milhões ou bilhões de anos- luz estavam muito próximas.

Quando essas distâncias relativas encolhem a um fator de mil, o Universo era tão pequeno que sua temperatura era também em torno de mil vezes maior. Isso porque a temperatua aumenta quando a matéria é comprimida. A essas temperaturas, átomos são dissociados e seus componentes, elétrons e núcleos, passam a ser livres... A radiação, cuja porção visível chamamos de luz, não podia mais viajar livremente, chocando-se constantemente com elétrons e prótons. O universo deixa de ser transparente: durante sua infância o cosmo era opaco."

Horizontes perdidos, artigo de Marcelo Gleiser (para o caderno Mais!, 4 de junho de 2006)