29 novembro, 2005



















Escher. drawing hands





A interrogação que, ao descobrir
sua ânsia pela resposta,
atravessa o silêncio
e, refeita, retorna ao ínício
para indagar a si mesma.

A resposta que, a caminho de
estar pronta, refaz em silêncio
a distância que impôs à pergunta
e, de volta, injeta em si mesma
uma sintaxe interrogativa.




(Sobre um Velho Tema, poema de Duda Machado, transcrito da revitsa Inimigo Rumor, n°14)
Ogwa-Flores Balbuena




A LUTA DAS PALAVRAS



Dois xamãs lutam em sonho -
lutam com suas puras vozes de sonho -

Um canta e lança palavras -
o outro responde com palavras encantadas -

Ambos dormem - um longe do outro -
mas mesmo dormindo lutam com a força de suas palavras -

"Eu sou uma serpente de veneno fatal" - canta um xamã -
e faz soar sua máraka -

"eu sou uma ave de bico afiado
que pode destruir com um só golpe a cabeça de uma serpente -

por mais potente que seja seu veneno" - responde o outro -
Podem passar assim durante horas

até que um deixe o outro sem argumento
e este seja vencido pela força da palavra daquele -

Às vezes não há vencedores nem vencidos -
o embate verbal desemboca num empate -

Então eles se tornam aliados -
Apesar de estarem em lugares diferentes são aliados -

Quando se encontrarem na estrada dos xamãs,
se olharão e saberão que são camaradas.



(Balbuena é pintor, mitólogo e narrador ishir-chamacoco, pós-doutorado nas selvas do Chaco paraguaio, segundo seu tradutor, Douglas Diegues. Encontrado na revista 'Ontem Choveu no Futuro'. número nada. mato grosso do sul.)

25 novembro, 2005

Léon Félix Batista




PROSA DO QUE ESTÁ NA ESFERA


Chuva, chuva não há, porém sim, decantam-se do manto de vento quente demasiadas andorinhas. Também está o turvo, sua boca matizada que provo a recobrar do interior da imago. Entendo que são amplos os âmbitos perdidos que insisto em acolher, que dou por arquétipos essências prematuras e, em um vestígio atávico, se interjetam com a fronte por mais plasticidade. Suas carnes suspendem-se em uma alienação abrupta da paisagem. Domínio de um demônio (sem dúvida) é o dizer.

24 novembro, 2005



(pó do cosmos. Augusto de Campos)

23 novembro, 2005

Água


Pendurado à altura
do sétimo andar
do edifício comercial
com janelas espelhadas
o rapaz de azul
suspenso
molha a senhora com sacolas
o ciclista
quatro carros estacionados
três em movimento
e um pedaço de asfalto
da rua Vergueiro
no retângulo de vidro
inclinado à sua frente
com um borrifador
às quatro e trinta e sete
da tarde



Caetano Gotardo

11 novembro, 2005

.


Fosse eu ( que por acaso levo o nome
Da rara e prodigiosa espécie: o Homem)
Livre para escolher meu próprio curso,
A carne certa e o sangue natural,
Queria ser Macaco, Cão ou Urso,
Tudo menos o fútil Animal,
Tão orgulhoso de ser Racional.



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Penúltima Palavra


O Espaço?
— A vida
Ida
Sem traço.

O Amor?
— Seu preço:
Desprezo
E dor.

O Sonho?
— Infindo,
É lindo
(Suponho).

Que vou
Fazer
Do ser
Que sou?

Isto,
Aquilo,
Aqui,
Ali.




(respectivamente, Lord Rochester (1647-1680) e Jules Laforgue (1860-1887), tirado da mini-antologia do paideuma poundiano. ABC da Literatura. Editora Cultrix. São Paulo.)

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05 novembro, 2005

S 2
A Espiral e o Quadrado

Crer que os dois personagens e a sala de um fausto declinante onde se encontram tenham para o narrador mai nitidez que o texto - vagarosamente elaborado e onde cada palavra se revela aos poucos, passo a passo com o mundo nelas refletido - seria enganoso. Não haveria cidades sonhadas se não construíssemos cidades verdadeiras. Elas dão consistência, na imaginação humana, às que só existem no nome e no desenho. Mas às cidades vistas nos mapas inventado, ligadas a um espaço irreal, com limites fictícios e uma topografia ilusória, faltam paredes e ar. Elas não têm a consistência da prancheta, do transferidor ou do nanquim com que trabalha o cartógrafo: nascem com o desenho e assumem realidade sobre a folha em branco. Aonde chegria o inadvertido viajante que ignorasse este princípio? Elaborar um mapa de cidades ou de continentes imaginários, com seu relevo e contorno, assemelha-se portanto a uma viagem no informe. Pouco sabe do invento o inventor, antes de o desvendar com o seu trabalho. assim na construção aqui iniciada. Só um elemento, por enquanto, é claro e definitivo: rege-a uma espiral, se ponto de partida, sua matriz, seu núcleo.
AVALOVARA, de Osman Lins.

EIA 2005 – de 11 a 20 de novembro

A Experiência Imersiva Ambiental realiza 80 projetos de arte pública enviados por artistas de diversas localidades do Brasil, como Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, além de projetos internacionais da Venezuela e da Argentina.

A idéia é reunir os artistas em um intenso intercâmbio cultural sobre as ruas, viadutos e praças de São Paulo no esforço de compreender a linguagem dos congestionamentos, da pressa e da publicidade para subvertê-la com nossos corpos e criação interativa, recriando o conceito de "público". Há trabalhos de performances, oficinas, sons, apropriações, interferências, ativismos, instaurações, pirações, objetos, situacionismo, materiais em suporte gráfico e intervenções.

Antecedendo a semana de ação, o Centro Universitário Maria Antônia cedeu suas instalações para debates que buscam aprofundar as discussões sobre as intrvenções no espaço público.

01 novembro, 2005

Oswaldo Goeldi. Céu vermelho, 1950




Céu vermelho – de Franklin Alves

O homem que ia atravessar as caixas, de uma margem a outra, morreu ontem. O outro homem, aquele que ia receber as caixas na margem oposta, desistiu logo após a notícia da morte. Ficamos deste lado com os embrulhos, pensando em abri-los. A dúvida cheia de olhos nos espreitava. Não abrimos. Sob um céu vermelho, meditamos a morte das coisas que elegemos, e que estariam, agora, no outro lado. Meditamos o imprevisto das caixas, que não nomeamos acaso, mas uma ordem que regula desde átomos até casos como este.


[Franklin Alves nasceu em Niterói/RJ em 1973. Ainda vive no mesmo lugar. Este poema faz parte do seu primeiro livro, ainda inédito. Brinca de editar no seguinte endereço:
http://pesa-nervos.zip.net/]